domingo, 27 de julho de 2008

Números

Na repartição de finanças, as campânulas
acendem-se por momentos na cabeça do funcionário,
e eu não sei o que dizer, se falar-lhe do sonho das aves,
no qual elas percorrem a corrente que as leva de volta
ao esquecimento, o lugar onde toda a noite um árido
luar fustiga as ervas e a rocha que elas rompem,
se responder a uma vaga questão acerca de números.
Procuro a verdade nos versículos, não nos formulários das finanças –
ela não existe fora das palavras; são a âncora, o pé e a raiz
presa à profundidade móvel do saibro.

O funcionário não percebe o fundamento
do moinho, nem a semelhança do moinho com um pássaro -
asas que regressam, água que circula, a migração anual da semente,
reconstruir a pedra e o silêncio das searas.

E eu calo-me,
deixo que as portas e os voos sazonais
sejam tão quotidianos como a fileira de números,
cada um de nós um número, ordeiramente
arquivado num livro que eu por medo fecho -
o mesmo livro no qual a realidade adormece,
água corrente na pedra, erodindo os vestígios de Deus.

Sérgio Lavos