segunda-feira, 28 de julho de 2008

falas-me do desassossego como se a grafia das suas artérias pudesse ligar-nos
finjo que não te ouço
como se a indolência da canícula pudesse desarticular-se
do som da água no rego de pedra
da frescura do tijolo burro das almofadas de linho grosso cheias de palha
dos escaravelhos vermelhos que sacudo da cadeira onde me sento
enquanto sardaniscas percorrem a cal que se esboroa nos muros
lá fora arde o asfalto consomem-se homens bosques mato palavras
não é hora de te falar da mulher que disse
ser a procriação o principal papel da família
apaziguando os que a escolheram para a desejada liderança
servindo a misogenia da oposição que acorreu a falar da 'senhora'
estou cansada de mulheres como esta estou farta de homens assim
continuo em silêncio não ouço os tiros no bairro da fonte o panfleto da estação
finjo que ensurdeço que não sei de que matéria se faz a cidade
há descontos no hipermercado crédito na loja de electrodomésticos
deputados no parlamento saldos na zara
arrecadas feiras arraiais concertos festivais e tu

falas-me do desassossego como se a grafia das suas artérias pudesse ligar-nos
como se a indolência da canícula pudesse desarticular-se
do som da água no rego de pedra
da frescura do tijolo burro das almofadas de linho grosso cheias de palha
falas-me do desassossego do plasma
meus são os olhos que se desviam para os teus
encosto a cabeça no teu peito e por momentos
nele ouço apenas grilos e cigarras.

Cláudia Santos Silva