sempre me resignei com a possibilidade de te ter apenas
numa fresta de Inverno,
como um silêncio de vidro atravessado na garganta.
sempre achei que a linha do horizonte seria o lugar ideal
para raspar os pulsos
e esperar com toda a ternura
que o bolor das horas me pudesse entrar nas artérias
e substituir o sangue.
contava-me o meu avô que outrora o mar tinha sido nosso
e eu dizia-lhe que ainda tínhamos o fogo
e eu gosto de fogo
gosto de o ver escorrer das órbitas já putrefactas.
tu sempre foste obcecado
pela lâmina das imagens
e pela escuridão oceânica dos desejos impossíveis.
viajas de pesadelo em pesadelo
e trazes desenhos e apontamentos
para não te esqueceres como é.
e eu penso em ti, penso sempre em ti
sempre que executo um dos homicídios que me pedes
com tanto carinho.
Sara F. Costa