sábado, 14 de junho de 2008

Elegia Azul

Sou de um lugar onde os homens partem com as costas voltadas à casa.
No parapeito dos dias as mulheres tecem as suas tristezas,
As crianças brincam aos barcos como se espreitassem para lá das vidas.

Do mar apenas falamos como hipérbole da nossa alma,
À medida que vamos sendo incapazes de distinguir o sangue do sal
Na hora de cozinhar as melancolias.

Nos portos sondamos através da fechadura dos mares
O início da nossa história e eis que vemos os nossos pais
A naufragar com os sonhos deste império.

Somos do mar como a alma é da dor ao fragmentar-se a vida.
Vestimos o olhar de espelhos, viramos as costuras ao corpo.
Imitamos o homem da casa a que desconhecemos o rosto.

Nasci num lugar onde ninguém nos segue ao adormecer,
Onde as nossas mães, de olhares cristalizados na partida,
Apenas esperam que a saudade chegue para morrer.

E eu morri sem ter visto o meu pai regressar a casa.
Ele de costas voltadas à terra e eu sem olhar o mar,
Nunca fomos alimento suficiente para o amor.

Nunca fomos mais do que a explicação de um pequeno reino
Que vive com a parte de dentro do corpo exposta ao sol,
Para que os braços crespados pelas queimaduras
Nunca mais voltem a sonhar com barcos.


David Teles Pereira