há um som
o ponteiro dos segundos
a esfaquear o silêncio
eu levanto-me
sem esperar cair no sono
e ser acordado à força
é perverso gostar de dormir
mas depois acordar assustado
no melhor dos sonos
se calhar o coração
um dia nem vai aguentar.
noto-me no espelho
a estas horas pareço
ainda mais magro
indefeso e quebradiço
nenhum vestígio de ti
no meu tronco
não há marcas
nem sequer
o perfume do teu pescoço
ou um só dos teus cabelos.
encaro
ao terminar a barba
uma expressão infantil
e penso como
me dão sempre
menos três anos
e penso
que realmente
nunca cresci.
na sala
o copo atarracado
e a garrafa prepotente
quase vazia
sobre a mesa
e o mesmo disco
de horas antes
que eu volto a tocar
a partir daquela música.
quando tenho tempo
como hoje
sento-me para o café
ouço tocar o alarme
do primeiro despertador.
os canais de televisão
incompreensivelmente absurdos
às seis da manhã
suporto o peso
do frio blusão de cabedal
uma última mija
antes do amanhecer
e toca a música
do segundo despertador.
Hugo Roque