domingo, 25 de novembro de 2007

Geração do silêncio

Somos sombras fugazes projectadas pela luz constante que ilumina a cidade. Seja nas ruas que a dividem e reencontram nas suas múltiplas encruzilhadas, onde desaguam multidões à velocidade do som dos seus passos; na claridade promíscua dos focos de diferentes cores numa pista de dança, fermentada ao sabor do álcool e das drogas que nos despertam os sentidos e adormecem o espírito; da televisão ininterruptamente ligada na inconstância do zapping, através da qual passam encadeamentos de imagens fragmentadas de filmes, documentários e séries cujo fim nunca é visto, na rapidez do click para o próximo canal; do telemóvel sempre a vibrar com mensagens codificadas numa nova linguagem veloz que torna os segundos em minutos impossíveis, na impaciência dos limites de comunicação.
Nós somos o eco da dinâmica imparável da pós-modernidade. Para nós foi reinventando o conceito de tempo, e como saturninos deglutimos o presente na velocidade com que os nossos maxilares o absorvem, tornando-o numa breve memória de um passado recente. Vivemos o ritmo sonoro do mundo, na certeza que somos demasiado pequenos para o apreendermos na sede de o conhecer ou na apatia com que lhe viramos costas. Somos a geração da revolta sem revolução, herdeiros dos sonhos naufragados dos nossos antepassados próximos. Descendentes de idealistas, estamos despidos de ideologias originais pela forma enciclopédica com que conhecemos o que pensaram e defenderam os que viveram antes de nós. Somos os mais frios juízes da História feita na nossa ausência.
Definidos pelas conquistas tecnológicas com as quais crescemos e rotulados como «Geração Y», «Geração Net» e «Geração Boomerang». Ambicionamos apenas o inalcançável – Le silence est impossible. C'est pourquoi nous le désirons –, nunca a afirmação de Maurice Blanchot definiu com tanta precisão uma geração como a nossa. Nós, a Geração do Silêncio. Atulhados em roupas de marcas conhecidas, sempre a par das últimas novidades do mundo da música, excitados pela forma como os nomes de autores nos percorrem a boca, em analogias as nossas experiências pessoais que recriam as alucinações das suas personagens.
Trazemos para a realidade a ficção, seja na maneira como a nossa identidade virtual se dilui na veracidade com que nos mascaramos quotidianamente ou na heresia com que transgredimos a moralidade socialmente aceite. Dormentes vivemos a superficialidade, sem que o excesso nos permita esquecer: ¿Qué es la vida? Una ilusión, una sombra, una ficción, y el mayor bien es pequeño: que toda la vida es sueño y los sueños, sueños son, no poema de Calderón de la Barca, que renasce das profundezas de um século XVII hispânico.
Não paramos. Não sabemos parar. Para nós, apenas existem duas opções: deixarmo-nos assassinar neste ritmo ou suicidarmo-nos nele. No fim apenas o esquecimento nos aguarda. Por isso bebemos até que não reste uma única gota no copo de plástico do bar a que vamos, fumamos até que os nossos pulmões não consigam consumir mais oxigénio e drogamo-nos até que as sensações nos corrompam a selvajaria das emoções. E todos os nossos actos parecem gritar: Je me crois en enfer, donc j’y suis! Nós que vivemos todas as noites tal como a Saison de L’Enfer, de Jean-Arthur Rimbaud. Porque sabemos que apenas vivendo o inferno podemos atingir o céu, só mergulhando nas chamas que nos dilaceram a carne poderemos ver a anatomia dos nossos ossos e redescobrir na configuração que se prende além dele, o silêncio que narra a dissolução do eu.
A Eutopia da nossa geração é a possibilidade de existência no não-tempo, o imortal aqui e agora, o ponto fixo da encruzilhada onde o passado, presente e futuro se interpenetram no silêncio que abarca tudo. Possuídos e possuidores de uma plenitude inalcançável.

Beatriz Hierro Lopes