sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

A morte é a promessa: estar todo num lugar,
permanecer na transparência rápida do ser


Ruy Belo


A morte é eternidade descontada a vida que vivemos. A morte é mais do que o fim da vida, ela é uma linha contínua por vezes interrompida pela vida, é a cama onde esta se deixa dormir quando se cansa. É o ruído de fundo, aquele som que se ouve quando se presta atenção ao silêncio. É a escuridão no chão do palco quando o pano cai e que, no entanto, já lá estava antes de se ligarem os holofotes.
Quando a vida se deita em cima dela, é sempre de aproveitar, desarrumar os brinquedos que for preciso para a criança se divertir e fumar os cigarros que necessário for para prazer do pai. No fim, a morte virá, sorrateira, limpar o pó e as cinzas que ficaram.
O que parece mais difícil agora, concentrar a alma dispersa por todos os lugares do pensamento, tornar-se-á fácil quando a vida acordar para a morte: o pensamento morre e a alma concentra-se nela, por fim livre e leve. Os pássaros e os anjos voam e o homem não, culpam-se os pensamentos.
Agora vou só fechar os olhos e descansar um bocadinho, deixar entrar um sonho na minha cabeça e ver-me voar, aproveitar que enquanto durmo não penso e as coisas acontecem, assim, simplesmente.

Ana Antunes