quarta-feira, 21 de novembro de 2007

NOTA FINAL (primeiro número)

e aqui estamos nós tentando
da maneira que sabemos
dar os sinais de vida
que a máquina consegue ler

talvez o volume destas páginas
o seu peso e sombra nos digam
que até certo ponto não estamos sós
e não estamos sós
mesmo que isso não se sinta
mesmo que os passos desta criatura
sejam tão silenciosos
que ninguém acorde a tempo
talvez ela se arrume entre sonhos
perto de um sinal de repente
num canto numa fresta
sem se interpor no caminho da luz
mas apenas com o seu corpo de prata
depois do dia e depois da noite
desarrumada entre os livros
desocupada na margem da mesa
desaparecida no fundo de uma gaveta
embaraçada entre outras coisas
dessas que são deitadas ao lixo
e quem sabe numa tarde certa
achada encontrada ou descoberta
por um olhar desses de olhos abertos
pela sequiosa curiosidade
de um raro peregrino
quem sabe

quem o sabe não somos nós
esta é a nossa forma
de o não saber
e o breve fôlego
que nos permite este gesto escrito
talvez se assinale debaixo
do signo da escuridão a escuridão
que atravessamos com as palavras
à frente da cara
apalpando
procurando

tem sido assim
que muitos deram os sinais de vida
que em tardes certas
nos serviram de indicação
quando a estrada nos decepcionou
e foi assim que prosseguimos
na consciência do passado
emprestados ao presente
esperando a gaivota
dessa terra a que chamam futuro

teremos o tempo que sobrar ao tempo
e um pouco mais quem sabe
quem sabe se as simples palavras
por escrever ou por ler
têm ainda vidas a salvar
quem sabe
se há ainda novas ideias
como continentes por descobrir
e quem sabe do que são feitas
as naus com que se rasgam
os mares que estão ainda
por navegar

ninguém sabe

ninguém sabe quantos pontos finais
ainda vão ser assinalados
antes de merecermos
o tal fim do mundo

a criatura
caminha sobre as patas que tem
vírgulas na indiscrição
da realidade ficcional
ou ficção real
que cada um inventa
para si