sábado, 14 de junho de 2008

Carta de amor para Paul Celan

Meu amor, és tão perfeito que certamente não
será um exagero comparar-te a Ofélia.
A água – pensava ela – não tem porque não ser a melhor
das fugas para quem sabe que a morte é um mestre,
mas que vem de dentro.
Meu amor, diz-me se alguma vez vamos deixar de sonhar
com as sereias que compõem tranças em cabelos ondulados,
com rosas que só crescem na superfície lunar
e que não têm espinhos?
Meu amor, os meus cabelos não são nem de oiro nem de cinza,
são tão pretos quanto os do meu pai, quanto o meu esperma
invocado em sessões de sexo tântrico com as tuas borboletas.
Tenho tanto ciúme do silêncio e daquela vez que te vieste
no seu rosto quando ainda só tinhas vinte e um anos.
Meu amor, o crime foi cometido em Paris e, por isso,
nunca hás-de ser um Anjo a ultrapassar os portões do Céu.
Mas não te preocupes,
tenho vários amigos no Inferno, já lá estive um par de vezes,
e, quando voltar, havemos de arranjar forma de nos divertir.
Meu amor, eu sei que sonho contigo porque o faço em
eclipse total. Eu sou a metade perdida de ti próprio.
Vem desejar-me!
Meu amor, faz-me tanta falta a tua primeira luz do dia,
quem me dera ter alguém para a procurar comigo. Acho que me
vou transformar em cisne e chorar a tua queda.
Meu amor, meu amor, as nossas mãos só não estão entrelaçadas
porque tu estás morto. Mas o amor, esse silencioso amor, não acaba.


David Teles Pereira