Ia para escrever os homens ainda tratam as mulheres
como se fossem animais domésticos sem que o meu pensamento
fosse buscar aquele pastor de mulheres carentes.
Aquele tratador sempre pronto e atencioso
a segurar a trela da oportunidade
para prender na coleira das mulheres perdidas
com murmúrios de coragem a incitá-las a mudar de vida.
Ia escrever sobre as mulheres que se deixam passear
num jardim mal tratado com flores pisadas
que já foram beijos respeitados por homens honestos
mas o jardineiro mentiroso a vir ao caminho destas palavras
numa noite de intriga a mudar o sentido
do que penso sobre as mulheres que nunca se importam
de viver como animais domésticos e a oferecerem
o colar do pescoço para que lhes seja colocada a trela da ilusão
e sejam guiadas pelo fundo das noites em exposições de labirinto.
Também tu, enquanto os outros ocuparem a tua vida
com o seu passado a renovar-se numa ânsia de tortura,
também tu ia agora escrever, como poderás viver por ti
se a colecção de boas intenções que mostras aos outros
parece um almanaque ultrapassado
e o respeito que possas cobrar pela obra afectiva
será sempre uma moeda antiga fora de circulação?
Estava para escrever como pode uma mulher amar alguém
se dentro dela não sente o que os outros sentem por ela,
tudo numa complicação de trelas e coleiras elegantes
como as palavras desse tratador de mulheres domésticas
a pastar as suas tristezas nos seus domínios de cultura perversa.
E eu a escrever para me ajudar a esquecer que essas mulheres existem
e no meu pensamento com muito cuidado a escolher as palavras
onde os outros se vão olhar no espelho.
Talvez uma noite não demasiado pesada eu possa compreender
porque é que as mulheres têm esta tendência
de destruir o seu lado interior com o exterior de si mesmas.
Fernando Esteves Pinto