quinta-feira, 8 de maio de 2008

Nocturno

começo agora a sentir
um peso cada vez maior.
desliza do cálice mais fogo
que me redobra a vontade.
durmo a horas claras
e agora é já a madrugada.
vou sair braço dado
à noite sem remédio.
incomoda-me a tua existência
porquanto estás longe.
aqui nesta cadeira de balouço
ouço repetir uma canção fora de moda.
lanço palavras à sorte
se as leres talvez entendas.
sei que não me lembrarei de tas dizer
na altura apropriada.
fui sempre distraído
ou já terei bebido em demasia.
quando me encontrares não peças lume
ficarei decepcionado.
rouba-me antes o chapéu
ri à vontade e chama-me pretensioso.
se te ajudar levo uma flor ao peito.
dizem que tenho um andar desajeitado.
escureceu há horas
abandono o meu barco bêbado.
piso o chão severo
a janela está embaciada.
nestas noites faz sempre mais frio
mas é por caminharmos sós.
visto o meu blazer preferido
para me sentir melhor (e não por superstição).
hesito ainda frente ao espelho
sou noivo, sou viúvo, sou defunto.
tudo é desligado
saio.


Hugo Roque