Quando decidiu ser escritora nunca pensou
ser devorada pelos livros que escrevia.
Também era presença onde a solidão dava espectáculo
entre amigos produzidos por uma afectividade perturbada.
Fazia combinações de pensamentos como quem preenche
uma segunda via de um documento emocional
pedido num departamento criativo.
Os seus romances trajavam a rigor de imitação
com personagens maquilhados de inteligência publicitária.
Nas sessões de autógrafos exibia o cartaz da amabilidade.
Instalação orgulhosa para leitores infelizes
que procuravam nas suas obras o entulho e o desperdício.
Pormenores de vida que se liam como regra de desconforto
no jogo leve da literatura de oferta e aniversário.
Os críticos literários mantinham-na em cativeiro no curral da indiferença
longe das questões universais e das páginas do orgulho impresso.
Por vezes o seu nome trazia alguma luz
quando a sua forma de existir no meio intelectual
lhe exigia custos de imagem e profundidade.
Estudos ridicularizados pela gestão danosa
de críticos habilidosos na humilhação da visibilidade negativa
utilizando leis de improviso na magia da auto-ostentação.
Escrever sobre a sua obra garantia a exposição por efeito contrário
tornando-se objecto esplêndido a interminável mediocridade.
Inocência popular julgada pelos cabeçalhos da ditadura crítica
numa encenação débil e tendências amavelmente conflituosas.
Mas ela escrevia sempre na esperança perdoável das suas qualidades
tão dolorosamente brilhante que iluminava nos outros
o que nunca ela sentira como verdadeiro.
Fernando Esteves Pinto