quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

a primeira imagem de conforto de há muito tempo
orquídeas florescendo-te na estufa dos lábios
nas regiões doces por onde começam a alinhar-se
as primeiras noções relativas
o meu afecto, o meu desejo, o meu segredo, a minha predisposição
para perder a voz, cometer um crime, fazer parte de ti
ainda que seja apenas a partir do fim

em cada gesto escondo ponderação, um ensaio
uma tentativa absurda, um projecto mental
uma sobrevivência feita de exercícios de respiração
silvos mal abafados, a minha persistência, a tua distância
e estes lugares de súplica
as ruas por onde passas a caminho de
e eu passo atrás para fora de mim
os olhos completos
uma atenção a caminho da perfeição

um acto criativo
ou destrutivo
eu penso muito nisso
o que os distingue,
como se separam um do outro
o que um promete e o que o outro
liberta

à minha agonia junto-lhe
duas colheres de inocência, a tua
imagino papoilas de sangue
e cada passo teu
é uma dose a mais
para o vício desta cidade nocturna onde eu hesito

quero falar-te toda a noite
sem tirar os olhos dos teus, sem poderes tirar os teus dos meus
um medo real, qualquer coisa que te traga ao de cima
quero explicar-me melhor, outra vez
mas até tudo ficar claro
recorreremos a instâncias dolorosas
um revólver firme nas têmporas
como um sinistro apontamento sobre a vida
até a sua carga ameaçadora se perder, gasta
e se tornar só mais um brinquedo
os brinquedos da vida

e tu como eu
os dois entregues sem remorsos à morte
tranquilos, brincando como crianças
fazendo da morte um assunto infantil
_______________________________doce, suave, curiosa

Diogo Vaz Pinto