quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Na paragem em frente à minha está um homem encolhido na sua gabardina. Levanta a gola e acende um cigarro O fumo sai descendo no ar impregnado de humidade. Parece fumar um sentimento, de forma dedicada. Vê-se que o fumo lhe seca os dedos e a boca mas não imagino sequer a viagem que faz dentro daquele peito, depois de lhe arranhar a garganta até sair sofrido à rua.
É a única pessoa que segura um cigarro naquela paragem. Os outros olham para o relógio e para as pessoas que passam. Não sei se pensam nalguma coisa. Talvez nem eles saibam. Mas este homem, que ninguém parece notar, continua a fumar o seu sentimento pacificamente e vai pensando nele tentando evitar senti-lo e, no entanto, aceitando-o.
Chega o 767, cigarro no chão, puxa a gola até às orelhas e senta-se junto à janela.
Alguém que passa, pisa, apagando, o sentimento que alguém fumou.
Um sentimento que se agasalha na gabardina cinzenta do pensamento.

Ana Antunes