quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Senhor que a minha vida seja permitir a infância
embora nunca mais eu saiba como ela se diz

Ruy Belo


Hoje vi uma criança brincar com o seu pião debaixo do grande céu, azul da saia da sua mãe. Que felicidade, brincar com um pedaço gordo de madeira, feito pelas mãos adultas de um homem que sonha com a eterna realidade sonhada de quem é menino, o homem que enche balões com a imaginação das crianças para lhes oferecer de volta esse ar que só elas respiram de forma tão dedicada. Mas não a sonha, não, isso ele não consegue: é adulto como eu.
O mundo não mudou connosco, mudou para nós com o tempo percorrido já com os pés calçados com a idade: fomos esquecendo algumas paisagens e conhecendo outras. Se pudesse, esquecia as que conheci e reconhecia as que esqueci. E começava de novo, até chegar aqui e saber (se pudesse sabê-lo) que ali é que estava bem, naquele lugar no tempo em que os sentimentos não se colam à minha alma como remendos de si mesmos.
Aquela criança acredita, sem saber que é verdade, que há céu na saia da mãe e um amigo a rodopiar no chão. Para as crianças há a pureza e a sinceridade, das coisas e do riso.

Ana Antunes