segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

A casa

A casa solta aos solavancos
pedaços de si a esmo na noite
Liberta os sons que se acomodam
então
nas falhas do verniz
da mobília e na boca,
no fremido constante dos bichos;
os soluços da poltrona,
das enferrujadas molas da poltrona,
que competem com os queixumes do sofá,
o sofá - leito do velho
e do insustentável peso
dos seus anos.
Ouço,
as exalações contínuas
da tinta da parede
que respira;
lentos, alvos são os reflexos
da luz que perpassa
pelas fímbrias do estore corrido,
que, em solilóquio, discute metafísica
consigo própria e consigo mesma
enquanto o bater da parte metalizada na parede
pac
se uma brisa mais forte pela janela
pac
de vidro partido.
A pulsação desta casa
que é noite viva
em carne viva
ferida de morte,
num derradeiro e fascinante equilíbrio,
descompassada como é,
está no rigor discutível
da terceira tábua
do terceiro degrau
da escada
que de batuta na mão
emite o troar de um passo mais pesado
(que,a ser, é de um sonho)
e
aponta o caminho para o quarto andar
da casa
da lua que cai no sótão,
onde baús, armaduras, caixas, livros, silêncios, cofres
como manda a praxe
in-fólios, revistas velhas
Álbuns velhos com as caras velhas
desusadas e gastas pela morte
velha.
A casa é velha.

António Ramos Pereira