domingo, 17 de maio de 2009

NOTA FINAL (terceiro número)

quando ninguém nos ouve
as palavras deixadas a este acaso
desenvolvem encontros
de solitária fúria

no início será um vazio
o papel onde o tempo arde
onde esperamos ou somos
mais do que o silêncio
e aprendemos a destruí-lo
por dentro

a criatura é o corpo frágil
que se raspa nestes muros
a sua carne aberta às evidências
deambula
pernoita na periferia
ou no centro das nossas cidades
e não será mais do que um grito
noite e dia à procura
do seu eco

assim aqui estamos nós
nesta forma de diálogo
porque antes de um poema
mesmo antes da escrita
quisemos deixar ao menos
uma lágrima nos olhos
dos dias que nos viram
passar
uma fulgurância enquanto
vemos murchar a nossa hora
um ensaio este tráfico
de ritmos e sinais
o dizer de um coração disperso
entre os lugares
onde nos sentimos
vivos

pousados lado a lado
por um momento
como pássaros sobre um fio
balanceando no vento
vamos cantando
um desassossego que é de todos
antes que cada um ceda a si mesmo
e siga o seu caminho

seria esta uma forma de voltar
se pudéssemos?
não sabemos
mas vamos dizendo
a violência que nos trouxe aqui
este que vai sendo o lugar
de uma despedida
até nos ferir um novo golpe

nestas páginas as palavras
contra os relógios
como crianças com pedras
na hora de ir para a cama

sem grandes certezas
o suficiente apenas
para sabermos
que não nos servem
esses sonhos
que se estamos aqui
foi porque tentámos
devolver um golpe
ao tempo
que foi nosso