quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Criaturas, seguindo Ruy Belo

Reunidos em torno da revista Criatura, Diogo Vaz Pinto, Hugo Roque e Pedro Jordão são, em maior ou menor grau, extremamente atentos à possibilidade de sentido que o literal pode fazer deflagrar no poema. Cenários urbanos, cafés, bares, discotecas, mas também a Bíblia, Deus, paisagens industriais, uma total (propositada?) ausência da rima, mas uma curiosa impressão rítmica fazem destes três poetas vozes muito originais que, esperemos, não se tornem epígonos de uma qualquer tendência meramente literal. Há poemas de Diogo Vaz Pinto (n. 1985) em que os ecos de Ruy Belo são evidentes: a torrencialidade discursiva, um tom de pequeno conto, mas elidindo os versos, um entrecruzamento de referências eruditas (Debussy) com um léxico ao mesmo tempo prosódico, a sua poética define-se pela assunção do falhanço da poesia: «Pratiquei em verso a arte de abrir sorrisos/ a quem não tem dentes./ Falhei».
Já em Hugo Roque qualquer coisa de Cesário parece reencontrar-se connosco. Baudelaire e Hart Crane são leituras que se pressentem. Também Roque nos vem falar do dióxido de carbono social, da cidade como espaço do vazio, do quotidiano mais ignóbil porque exausto. Neste poeta, em cujos poemas há a tentação da quadra, ou do poema vertical, atomizado, à Carlos de Oliveira, igualmente se indicia a ironia deceptiva à O'Neill: «Estou demasiado cansado/ agora que dormi horas a mais/ estou com tempo/ ia bem um lanche ao final da tarde/ à noite uma peça de teatro/ que já faz tanto tempo [...]». Todavia, Hugo Roque (n. 1978) é, parece-nos, um trabalhador do verso, um cinzelador não de palavras, mas das sensações: uma extenuação, um abatimento, a recordação do tempo, a certeza de estarmos em tempos do fim farão de Hugo Roque um autor a seguir com toda a atenção.
Relativamente a Pedro Jordão (n. 1977), a sua escolha poética é marcadamente inglesa. Há uma vontade de internacionalizar a mensagem e uma bem conseguida oscilação entre o aforismo e o poema em prosa: «os mais perigosos são os desejos com arestas/ tão exactos. Ensina-nos a prudência/ a arredondar-lhes os cantos a desenhá-los/ ambíguos mas a ambiguidade/ sempre tão frágil e não sincera [...]». Jordão, apesar do que fica dito, exprime um confessionalismo por vezes saborosamente adolescente: «não os dias mas as noites/ as noites são mais honestas/ pelo que escondem e/ pelo que nelas se acende». Uma curiosidade: em muitos dos poemas reunidos na revista Criatura, Pedro Jordão, parece deixar sugerida a lição de Manuel de Freitas: o único real absoluto é não haver real absoluto nenhum, muito menos o da poesia.
Estes rios vão desaguar onde? Lirismo, ou haverá outro caminho?


António Carlos Cortez, in Jornal de Letras n.º 1001
11.02.2009