domingo, 25 de maio de 2008

e se me quiseres escrever saberás o meu paradeiro?

não posso esperar para te dizer que alcatroaram a rua encanaram a água da rega
desfiguraram a igreja caiu a árvore no pátio do colégio a faia no casal do paço
o reboco resiste aos sais na maior parte da fachada
embora se esboroe junto da janela do quarto
na padaria já não se fabrica pão
reconhecer-me-ias agora que manchas solares tomam a minha pele
queria pensar nelas como plantas que se enraizaram na derme
mas sei que são apenas sombras-radicais-livres
não sei se gosto desta palavra
também não gosto do corrector da aplicação informática
não reconhece as palavras desorienta-se e sem querer escrevo o que não pensara
em inglês ou espanhol hesito nas palavras que me contrapõe
desoriento-me
mas que importa houve um terramoto na China tempestades na Birmânia
não há liberdade que lhes valha palavras que os amparem
nem blasfémias que nos salvem aqui chove apenas
todos se lamuriam como sempre se lamuriaram
nestes pequenos desgostos na nacional mesquinhez

não saberás por isso o meu paradeiro
agora que fumam vides e oliveiras na fogueira que me aquece quartos e salas
o castanheiro ensombra o quintal que a grama invade
demoliram a casa dos vizinhos e constroem uma outra portuguesa-com-certeza
grosseira como o técnico licenciado por universidade vetusta
assim subscreveu o risco que a suporta
responsabilizando-se perante o órgão eleito por voto universal
não há blasfémias que nos condenem palavras que nos salvem

aos poucos cerca-me a vida tal como ela é
e sei melhor quem sempre fomos
ainda que esteja certa de que não saberás o meu paradeiro
não faço plásticas não injecto toxina botulínica do tipo A não me escondo
estou na primeira linha de fogo.


Cláudia Santos Silva