quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

a mão direita sobre o coração,
esquerdo.
o calor do homem deitado na pleura da cama, dividida,
aberta nos dois lados da cabeceira,
como uma boca que respira.
a cama rasgada ao centro, fetal,
como o primeiro gesto que abraça o coração, depois do choro.
o quarto que é um umbigo onde o tempo foi concebido assim,
sobre o leite derramado.
primordial, essa imagem que assalta o crânio na lenta dilatação da luz:

egografia .

a mão direita sobre o coração,
esquecido.
outro homem que tem um livro no peito, agora,
a fazer-se sangue;
a primeira frase
[hoje venho dizer-te que morreste e velo o teu corpo no meu leito]
dentro da memória,
a fazer-se carne.
é irreparável a violação da pele numa frase reescrita pelo sono:
tornada luminosa e fictícia.
a outra mão? esquerda,
cobre o sexo em que a cama húmida se desdobra como um manto.
a inquietude espessa que é um assombro de intimidade
quieta e irrecusável no seu colo.
a cama alarga-se para que, quem está,
possa entrar devagar, sem o prurido do medo.
e agora? as mãos alinham-se assim,
em dois?
os corpos colidem, infectados pelo afecto sibilante das línguas.
tocam-se à justa medida de um segredo:
as mãos direitas sobre os corações, esquerdos,
esquecidos.

Nuno Araújo