sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

fixa-se na vidraça o reflexo bamboleante das luminárias urbanas
vozes de giz partido enchem a carruagem do comboio
em que me adormeço
e, soturno, metálico, chega o almocreve dos desamores cíclicos a que me voto
indolente

(as mãos suam tintas de jornal
butterflies, sussurra-me o ventre)

e por instantes desassombrados julgo escutar
l'ascenceur pour l'échaffaud

(miles away from you, sussurra-me o vento)

porém, traz hoje dias como ardósias quebradas
onde baloiçam os estranhos frutos da ignomínia
rejubilam vermes com o temor dos homens renovado
sustentam-se trivialidades no bafo húmido das crónicas
trocam-se trunfos, medem-se armas
negoceiam-se tormentos assassinos.

(oculta-me a noite o ponto de fuga deixa-me o desalento)

fere-se na vidraça o reflexo decomposto do meu rosto
no regresso a casa
há horas em que estar feliz
é quase complacente ausência


Cláudia Santos Silva