terça-feira, 30 de outubro de 2007

Elegia cor-de-rosa

Sou filho daqueles que lutaram no dia 25 de Abril de 1974
Para que hoje eu possa ficar em casa, aborrecido, a escrever sobre
Aquilo que nunca vou ser.
Não sou heróico ou talvez o seja ao meu jeito.
Sou tragicómico, sou tremendamente sensacionalista,
Posso ser comprado em qualquer esquina mais ou menos escura
Desta cidade de vórtices florescentes que não me viu nascer.
Sou ideologicamente marxista, muito embora nunca tenha lido o Capital,
Muito embora todos os pares de calças que dispo a troco de algum carinho
Custem muito mais que uma noite média de amor.
Não sou como Janus, mas tenho uma máscara de múltiplas faces
Pela pura diversão de iludir quem sei deita ao meu lado
Ocasionalmente numa cama.
E às vezes tudo isto me faz chorar lágrimas tão fáceis
De ostentar como diamantes brilhantes ao pescoço de jovens
Nunca tão belas quanto eu. Mas a beleza é difícil.
Sou como Eco que foi a primeira infeliz a sofrer de anorexia
Por motivos amorosos.
Safo não tinha razão. Ninguém no futuro há-de pensar em mim.
Sou uma maçã madura que caiu longe da árvore.
Mesmo assim trinca-me.
O único caminho para o meu coração começa no centro
Da minha boca de morango. E como é natural, sou sexualmente ambíguo.
Há demasiados homens e mulheres sentados à espera,
Era bom que alguns soubessem que detêm as rédeas da minha alma.
Sou a parte escura de mim e é ela a que brilha incomparavelmente
Mais que um dia de verão.
A solidão do meu amor é uma mecânica erótica que reproduz
Em vinte e nove espasmos o óbito celestial.
Tenho as costas arranhadas e orgulho-me. Eu próprio
Investi nisso com as minhas unhas afiadas e pintadas de preto.
Sou o meu próprio Basilisco quando me olho ao espelho,
Quando respiro no espelho uma linha tão natural como
Uma árvore. Nunca me senti especial por isso.
Sou a metade da romã que Perséfone comeu,
Ou seja, um campo onde só nascem flores de pétalas negras.
Não procuro algo de diferente quando saio de casa.
No entanto, espero que haja alguém capaz de
Me aliviar da enorme tragédia do meu sonho.
Como Alexandre da Macedónia, cometi o erro
De contemplar todo o meu Império demasiado cedo.
Diz-se que ele só sorriu quando Aristóteles deixou
De lhe corrigir a postura no cavalo.
Mas eu estou a sorrir mais do que Churchill, mais do que a Monalisa.
Quase três mil anos depois
Já ninguém me pode ensinar a forma unânime e
Democrática de roubar a virgindade a adolescentes
Que, à falta de melhor, se consideram criadores dum
Verbo poético capaz de todos os sentidos.
Serei o único a achar que Lautréamont e Sade não escreveram coisas
Mais interessantes que Perez Hilton?
Sou nuclear, irregular, pornográfico, luminosamente imoral.
Sou uma princesa enfadonha, demasiado esquizofrénica
Para aparecer na capa das revistas. Mas eu apareço na capa das
Revistas e faço-o sempre com tanta mediocridade
Que nunca houve nem haverá alguém igual a mim.
Não tenho egrégios avós. Escrevo esta nova bíblia
Para góticos, vegetarianos, praticantes da Cabala sejam
Ou não assumidos, modelos esqueléticas, adoradores de deuses de carne,
Poetas pós-modernos viciados em MD, actrizes lindíssimas em reabilitação,
Freiras prontinhas a assumir a aparição de Jesus Cristo entre as minhas pernas.
Eu vi CSS no Lux dia 4 de Abril de 2007 com os lábios pálidos e quietos,
Como quem pretende passar a imagem de que é
Demasiado irreverente para se deixar absorver pela música.
O meu sangue é da cor deste poema e este poema não é um anjo neutro.
Ninguém me acompanharia ao Père Lachaise para depositar
Folhas mal esquecidas no cimo da tumba do poeta
Guillaume Apollinaire do qual ouvi dizer coisas muito mais
Maravilhosas do que as que ele escreveu.
Sou o processador de textos mais ilógico da minha geração,
Talvez seja o único que o faça, parente pederasta
De todos aqueles que não conseguiram mais do que adaptar
A Portugal ao federalismo do consumo literário.
Lá em Lisboa, Lá em Lisboa tudo o que fiz foi morrer.
Nunca passou pela minha cabeça que esta cidade, tal sereia,
Pudesse convencer tantos a afogar-se nas profundezas do rio,
Eu até tenho medo de me fundir com pessoas nas ruas em Lisboa.
Não sei se hei de parar no inferno só para beber uma cerveja
Ou ficar por lá uma temporada.
Só por vaidade pus o nome de Salomé à minha gata
Que pariu um gato anónimo que nasceu já morto.
Não tenho outra ilusão que acordar. À parte isso,
Tenho em mim todos os sonhos eróticos deste mundo.
Sou uma abelha que devora o teu mel em quantidades orgásmicas.
Como os gregos, escrevo fragmentos tão insignificantes como:
Fugi dela como um cuco.
Sei duma música que acalma as aves. Só não sei
Como tocá-la. Não faz mal, sou
Demasiado revolucionário e agitador para me preocupar com isso.
Sou moderno e o mesmo é dizer que morri muito antes de ter nascido.
Rilke devia estar a pensar em mim quando escreveu
Que todo o Anjo é terrível.


David Teles Pereira