quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Bloco de Notas III: Criatura nº2

criatura21

«Este é o segundo número de uma revista de poesia editada pelo Núcleo Autónomo Calíope, da Faculdade de Direito de Lisboa. Com um grafismo sóbrio e sem qualquer extra para além dos poemas, a Criatura publica agora dezasseis autores, desconhecidos da generalidade do público (o que não é desmerecimento algum) e muitos deles reincidentes do número anterior.

A ausência dos ditos ‘extras’ deixa à partida bem claro que o que aqui se pretende é dar a ler os poemas de cada autor, e apenas isso. E se a opção pode ser discutível em termos de design, não deixa dúvidas quanto à eficácia da focagem no essencial, acabando o objecto Criatura por se revelar uma espécie de livro, uma pequena antologia sem o peso das escolhas e justificações que uma antologia requer, uma reunião no presente de quem escreve e partilha leituras e pontos de vista poéticos.

Essa partilha é, creio, um dado que revela da leitura dos poemas. Já Nuno Júdice o referiu, no Jornal de Letras de 21 de Maio, assim como Manuel de Freitas, no Actual de 19 de Abril (cujo texto, diga-se, me levou a descobrir o primeiro número da revista). Há um certo tom incómodo, motivado por diversos vazios (o das certezas sobre o futuro, bem como o das lições do passado e o que delas pode ter proveito), que se vislumbra comum a muitas destas vozes. Se isso nos deve fazer avançar sem rodeios para o epíteto de ‘geração’, tenho as minhas dúvidas, o que não retira valor algum ao trabalho que aqui se apresenta e às leituras transversais que dele se pode fazer. Veremos para onde e com que passos caminha esta Criatura.

Numa reunião de tantos nomes, o domínio da escrita e dos mecanismos líricos é desigual, e nem de outro modo poderia ser. Algumas recorrências denunciarão vícios juvenis, outras mostram-se ainda muito coladas às leituras mais influentes. Em todo o caso, o esforço nota-se e torna-se motivo de júbilo perante a Criatura. E quando falo de esforço, não me refiro ao mérito de conseguir editar uma revista num meio sempre incerto como o universitário e colocá-la a circular para além dele (ainda que esse esforço também seja de assinalar, mas por motivos que se afastam da poesia), mas sim ao esforço que se vê em cada composição, umas vezes sendo apenas o burilar de um labor que há-de (ou não) desenvolver-se, ganhar maturidade e segurança, outras alcançando momentos que ressoam muito depois da leitura, como os versos finais de “Outro”, de Diogo Vaz Pinto (ecoando um Cesário muito a propósito): “Como um espasmo, um pensamento/ descobre-se consanguíneo com a cinza/ cuspida por este cigarro e o mais difícil/ de assumir é que nem a queda do anjo/ é livre, nem de nada lhe vale gritar.” Entre vozes tão diversas, há outros versos memoráveis. Eu escolho estes.

Duas notas de intenções:
Não costumo escrever sobre poesia. Na verdade, com excepção de alguns textos sobre a lírica medieval, e porque a produção textual da Idade Média foi durante alguns anos o meu objecto de estudo, nunca o fiz. Não domino, por isso, modos e regras de o fazer com a competência necessária, pelo que este texto é apenas ‘impressionista’, não se querendo alvoroçar em crítica.
A Sara F. Costa que publica em ambos os números da revista não sou eu (podem, por isso, os amigos deixar de me ligar surpreendidos sempre que se anuncia um lançamento, querendo perceber quando é que me dediquei à poesia…).»


- Sara Figueiredo Costa

20 de Novembro, 2008 in Cadeirão Voltaire